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O segundo governo Vargas: da volta nos braços do povo ao suicídio

Getúlio Vargas, o presidente que por mais tempo governou o Brasil (quase 19 anos contando os dois períodos em que esteve na cadeira mais importante do país), deposto em 1945 após forte pressão até mesmo de seus aliados de governo, voltou ao cenário político brasileiro 5 anos depois, nas eleições para o executivo nacional. O gaúcho de São Borja (RS) era amado por uns e odiado por outros. Governou de 31 de janeiro de 1951 a 24 de agosto de 1954 em meio a uma crise que levou ao embate de forças entreguistas e nacionalistas. Não foi covarde. Não entregou o país ao capital estrangeiro. Nacionalizou nosso "ouro negro". Foi execrado pela oposição, sobretudo através dos meios de comunicação. Saiu da vida para entra na história, adiando o golpe militar, que estava em vias de acontecer, em 10 anos.

 

 

No pleito de 3 de outubro de 1950, Vargas foi eleito com 48,73% dos votos (3.849.040 votos), derrotando nas urnas o Brigadeiro Eduardo Gomes (UDN), com 29,66% (2.342.384 votos), Cristiano Machado (PSD) com 21,5% (1.697.193 votos) e João Mangabeira (PSR), com 9466 votos.

Para vice-presidente, Café Filho (PSP) foi eleito com 2.520.790 votos (35,76%),à frente de Odilon Braga (UDN), com 2.344.841 (33,26% dos votos) e de Altino Arantes (PSD), com 1.649.309 (23,40% dos votos).

No início do seu mandato, Vargas buscou sustentar um contato cordial com os Estados Unidos como, por exemplo, através do estabelecimento da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos para o Desenvolvimento Econômico. Contudo, uma gama de problemas alterou as relações entre as duas nações. A principal delas ocorreu em 1951, quando a ONU solicitou ao Brasil o envio de tropas a fim de combater os comunistas na Coreia. Entretanto, o governo brasileiro negou-se a participar do conflito, levando à deterioração da relação entre Getúlio e os setores militares que estavam se empenhando no combate ao comunismo.

No campo econômico, Vargas buscou nortear o setor para uma linha intervencionista e nacionalista, preocupado, sobretudo, com o desenvolvimento da indústria de base (siderurgia, petroquímica, energia, transporte, etc). O Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico, o chamado Plano Lafer, agrupava as principais medidas do governo para a economia do país. Esse plano propunha o desenvolvimento de novas fontes de energia, a ampliação das indústrias de base e da rede de transportes, a mecanização da agricultura e o reaparelhamento dos portos.

Assim, a inflação caiu, houve superávit comercial, a indústria de base foi ampliada e o crescimento econômico atingiu os 7%. No entanto, esses avanços econômicos sofreram certa redução nos anos seguintes devido à diminuição do repasse de recursos provenientes dos Estados Unidos para investimentos no Brasil.

Em fins de 1951, um projeto de Getúlio a fim de estabelecer o monopólio estatal sobre o petróleo resultou na campanha "O petróleo é nosso", mobilizandoo povo brasileiro numa das lutas nacionalistas mais importantes do país e desencadeando na criação, em outubro de 1953, da Petrobrás, empresa de cunho estatal monopolizadora da exploração e refinação do petróleo no Brasil. Já em 1954, o presidente também propôs a criação da Eletrobrás objetivando construir usinas geradoras para suprir a necessidade de energia elétrica no país. Todavia, o projeto enfrentou forte oposição e a empresa só foi instalada durante o governo João Goulart (1962).

A ampliação do campo industrial de base gerava o aumento de divisas, mas que diminuíam em consequência da remessa ilegal de lucros por empresas estrangeiras ao exterior e, também, pelo declínio dos preços do café. Tendo como finalidade dar continuidade ao crescimento econômico da indústria, tornava-se necessário extinguir os privilégios do capital estrangeiro e diminuir, relativamente, os salários dos trabalhadores, inibindo, assim, que os aumentos salariais fossem maiores que a taxa de produtividade.

Ainda, seria fundamental criar canais de transferência das divisas do setor agroexportador para o setor industrial, o que se tornava muito difícil com a queda dos preços dos produtos agrícolas no mercado internacional.

Em 1953, Vargas propôs a limitação das remessas de lucros das empresas estrangeiras, em 8%, às suas matrizes no exterior, denominada de Lei de Lucros Extraordinários, mas que foi barrada no Congresso.

Objetivando diversificar a produção industrial, em 1952, foi criado o BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), com a tarefa de financiar novos projetos públicos e privados para o desenvolvimento econômico do Brasil - reaparelhamento de portos e ferrovias e ampliação do potencial elétrico. Já no ano seguinte, foi criado o Banco do Nordeste do Brasil, onde se procurou a facilitação da concessão de créditos para investimento nas áreas de transporte e energia.

Em 1953, foi decretada uma lei que previa punições para aqueles que cometessem crimes contra o Estado, o que incluía a organização de comícios, greves e manifestações sem a autorização da polícia. Entretanto, indiferentes à proibição, aproximadamente meio milhão de pessoas participaram de uma manifestação que foi denominada de Panela Vazia, criticando o aumento do custo de vida do país.

Os inúmeros setores das classes abastadas passaram a se desentender e se lançaram em uma ferrenha luta pelas divisas, resultando em uma crise política. Além disso, a estratégia econômica gerou uma rápida espiral inflacionária. O ritmo do custo de vida aumentou, porém, em contrapartida, os reajustes salariais não o acompanharam, levando a um descontentamento entre a classe trabalhadora. Assim, em março de 1954, aproximadamente 300 mil operários de diversas categorias de São Paulo - construção civil, metalúrgicos, carpinteiros, vidreiros e gráficos, entre outros - entraram em greve, exigindo uma baixa do custo de vida e aumento salarial. Após mais de um mês de greve, os operários aceitaram um reajuste de 32%, a garantia de que os líderes não seriam punidos e que os dias de greve seriam pagos.

Ainda em 1953, cerca de 100 mil portuários paralisaram suas atividades nos portos do Rio de Janeiro, Santos e Belém do Pará.

Nesse momento, os oposicionistas, liderados por Carlos Lacerda, criaram o Clube da Lanterna, com a finalidade de pôr fim ao governo de Getúlio Vargas.

Para contornar a situação, Vargas reformulou o seu ministério: Tancredo Neves foi nomeado para o Ministério da Justiça e João Goulart para o Ministério do Trabalho. A indicação de Jango, bem visto junto às lideranças sindicais, para a pasta demonstrava que o governo possuía o interesse em melhorar sua imagem com as classes trabalhadoras.

O crescimento dos movimentos de massa passou a gerar preocupação na classe dominante, inclusive nos setores ligados ao governo, uma vez que temiam uma radicalização que ocasionasse a perda de controle do próprio Getúlio Vargas. Contudo, o presidente não abria mão de manter a linha econômica nacionalista amparada na mobilização popular.

Logo, no início de 1954, o ministro do Trabalho, João Goulart, concedeu um aumento de 100% no salário mínimo, o que resultou numa pressão oposicionista violenta, obrigando Goulart a renunciar e o governo a suspender o acréscimo.

Os grupos oposicionistas a Vargas se manifestavam por meio da imprensa, acusando-o de estar planejando pacto antiamericano que instalaria no país um governo semelhante ao instituído por Perón na Argentina. O jornalista Carlos Lacerda liderava a ala mais antigetulista da oposição (UDN) e apontava como corruptas pessoas ligadas ao governo, denunciando até mesmo financiamentos ilegais feitos pelo próprio Banco do Brasil. Já o presidente afirmava que os setores ligados ao capital estrangeiro eram os desencadeadores das dificuldades brasileiras.

Entretanto, no dia 1º de maio de 1954, Vargas concedeu o aumento do salário mínimo prometido por Goulart, convocando os trabalhadores a mobilizarem-se e a participarem da política nacional. A classe empresarial e parte da imprensa se uniu à oposição pedindo o impeachment do presidente.   

A imprensa foi um importante campo no processo de agravamento das questões políticas do país: de um lado, o jornal Tribuna da Imprensa, de Carlos Lacerda, O Globo e os Diários Associados, de Assis Chateaubriand, procurando difundir imagens que desqualificavam o governo e indignassem e mobilizassem a população contra ele; de outro, o Última Hora, fundado pelo jornalista Samuel Wainer, porta-voz do governo Vargas, procurando transmitir uma imagem positiva do presidente. 

Em 5 de agosto de 1954, embora nunca tivesse sido provada a participação de Getúlio, pessoas diretamente ligadas a ele tentaram assassinar o jornalista Carlos Lacerda em frente à sua residência, na Rua Toneleros, nº. 180, bairro de Copacabana, zona sul do Rio de Janeiro. Nesse episódio, denominado de "atentado da Rua Toneleros", foi morto o major da aeronáutica Rubens Florentino Vaz. Sem mesmo esperar o fim das investigações, Carlos Lacerda declarou: "Mas perante Deus, acuso um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões. Esse homem é Getúlio Vargas". O brigadeiro Nero Moura, ministro da Aeronáutica, por meio de inquérito, apurou, com a prisão do pistoleiro Euribes de Almeida, que o responsável pelo ocorrido foi Gregório Fortunato, o "Anjo Negro", principal guarda-costas do presidente Vargas. Os resultados da investigação provocaram a indignação geral e surgiram numerosas manifestações exigindo a renúncia de Getúlio. Café Filho, o vice-presidente do país, aliou-se à oposição e, discursando no Congresso, propôs sua renúncia e a de Vargas.   

O país entrou em ebulição. O exército exigio a renúncia do chefe do governo. Getúlio declarou que tinha a impressão de estar sobre um mar de lama. A Tribuna da Imprensa, jornal de Carlos Lacerda, passou a atacar o presidente mais violentamente. 

Ao estabelecer o imaginário da crise, a oposição apontava que a solução seria uma intervenção militar no país.

No dia 22 de agosto de 1954, oficiais da aeronáutica exigiram o afastamento do presidente; em seguida, o exército e algumas outras camadas da sociedade assinaram manifesto semelhante. Na manhã do dia 24 de agosto, o jornal O Dia estampava em primeira página: "PUS e LAMA escorrem sobre a Nação estarrecida". E um novo ultimato foi redigido, dessa vez com a assinatura do Ministro da Guerra, Zenóbio da Costa, e entregue a Vargas isolado em seu quarto no Palácio do Catete. Getúlio Vargas redigiu uma carta-testamento e suicidou-se, aos 72 anos, com um tiro de Colt 38 no peito, às 8h30 da manhã. Cumprira suas palavras: "Só sairei morto do Catete!". O presidente afirmava na carta o seguinte: "Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na história".  

A morte de Getúlio Vargas causou uma comoção social e política no país, de norte a sul. O povo passou a responsabilizar a UDN e os Estados Unidos pelo suicídio do presidente. Vários jornais da oposição e a embaixada norte-americana foram atacados por populares. Nos principais centros urbanos, como Rio de Janeiro, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre, a multidão repeliu as forças opositoras. Carlos Lacerda, caçado por populares nas ruas do Rio de Janeiro, teve de ficar sob proteção da Aeronáutica até rumar para a Europa, em exílio voluntário.

Partindo de que o estado de consternação verificado em todo o país e decorrência da morte de Vargas, e ainda no exterior, essa regra não fugiu à cidade de Juiz de Fora, havendo certas "manifestações de tristeza" por parte dos trabalhadores e dos partidos políticos PSD e PTB. Contudo, esse fato não trouxe consequências políticas capazes de alterar os rumos das eleições municipais de 03 de outubro de 1954, ainda que o Partido Trabalhista Brasileiro tenha tomado para si a bandeira da luta getulista, objetivando utilizar o conteúdo da carta-testamento de Vargas para apagar a imagem negativa do autoritarismo do Estado Novo, e exaltar seu papel de "líder nacionalista e reformador social". Portanto, não se observou na cidade os mesmos conflitos, as mesmas agitações, os tumultos e as desordens praticadas pela população local como aqueles vistos em outros centros urbanos brasileiros, como no Rio de Janeiro, São Paulo, em Porto Alegre e em Belo Horizonte.

Ainda assim, houve certa movimentação nas ruas centrais da cidade de Juiz de Fora. Exemplo disso foi a tentativa de deposição do então prefeito do munícipio, o sr Olavo Costa, o que levou, igualmente à maioria das capitais do país, que as tropas policiais invadissem e ficassem de prontidão contínua nas localidades a fim de tentar estabelecer a ordem. Logo, houve um certo receio, por parte das autoridades, que aquelas pertubações presentes nas cidades brasileiras, somadas aos estreitos laços dos juiz-foranos com o falecido presidente, justamente por suas realizações no município, como a regularização do Rio Paraibuna, acompanhadas de perto por ele, sobretudo em suas visitas ao município, pudessem provocar exaltação nos recentes corações órfãos, magoados e furiosos dos filhos, homens e mulheres juiz-foranas, o intitulado "pai dos pobres".

 

 

- TEUTSCHBEIN, Matheus Pinheiro. Agosto de 1954: as reações da população de Juiz de Fora frente ao suicídio do presidente Getúlio Vargas. 2015. 66 folhas. (Trabalho de Conclusão de Curso na modalidade bacharelado em História). Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora/MG.   

 

 

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- Assista o filme.

 

                   

             

 

 

 

Tancredo Professor . 2024
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