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Três séculos de violência colonial

REBELDIA DOS COLONOS

 

MOVIMENTOS DE RESISTÊNCIA DURANTE O PERÍODO COLONIAL
Inúmeras revoltas e manifestações ocorreram ao longo dos três séculos de colonização portuguesa.

 

ACLAMAÇÃO DE AMADOR BUENO (SÃO PAULO – 1641)
Em 1640 a União Ibérica teve fim. Os portugueses recobraram sua independência e a Dinastia de Bragança assumiu o poder. Em São Paulo, alguns espanhóis que ali viviam se recusaram a prestar obediência ao novo rei português. Teriam preferido aclamar Amador Bueno, filho de pai espanhol, como rei de São Paulo, o que não foi aceito sequer pelo interessado, que preferiu esconder-se no mosteiro dos padres beneditinos, os quais conseguiram acalmar os ânimos.

 

DEPOSIÇÃO DE D. JORGE DE MASCARENHAS (BAHIA – 1641)
D. Jorge de Mascarenhas, marquês de Montalvão, era o vice-rei do Estado do Brasil, que fora nomeado pelos espanhóis, ainda na fase da União Ibérica. Com a restauração da casa de Bragança, Dom João IV preocupou-se com a possível lealdade do marquês para com os espanhóis. Enviou, então, à Bahia um navio com representantes seus para obter dele o juramento de lealdade, sob pena de ser imediatamente deposto e substituído por uma junta de governo.
Apesar de o marquês de Montalvão ter jurado fidelidade ao rei, a Câmara de Salvador suspeitava que existiam ligações dele com os holandeses. Então, ele foi deposto e enviado a Portugal, mas não foi punido. Pelo contrário, foi reabilitado e assumiu a presidência do Conselho Ultramarino, recentemente criado.

 

A INSURREIÇÃO PERNAMBUCANA (1645 – 1654)
No período em que o conde Maurício de Nassau governou as possessões holandesas no Nordeste, a atividade açucareira cresceu. Empréstimos foram concedidos pela Companhia das Índias Ocidentais aos senhores de engenho que, assim, puderam continuar com sua atividade e, em alguns casos, até mesmo ampliá-la. Em 1644, no entanto, Nassau foi destituído de seu cargo e voltou à Holanda. Os novos dirigentes, além de pressionar os senhores de engenho para aumentar ainda mais a produção começaram a cobrar as dívidas pendentes, acrescidas de juros elevados. Muitos senhores de engenho não conseguiram pagar o que deviam e tiveram suas propriedades tomadas pelos holandeses. A insatisfação era geral.
Sob a liderança de João Fernandes Vieira, um dos mais ricos senhores de engenho, tramou-se a revolta para expulsar os flamengos do Nordeste. Em 13 de julho de 1645 a insurreição teve início. Negros e índios também lutaram ao lado dos latifundiários, comandados, respectivamente, por Henrique Dias e Felipe Camarão.
Depois de várias batalhas, os holandeses ficaram cercados em Recife, mas os revoltosos não conseguiram penetrar em suas defesas. Em 1648 e 1649 travaram-se as duas maiores batalhas, ambas nos montes Guararapes. Os holandeses foram derrotados nas duas, mas continuaram a dominar Recife. A vitória final só foi conseguida em 1654, e para isso contribuiu a situação internacional. Em 1652 a Inglaterra, governada por Oliver Cromwell, decretara guerra aos holandeses. Envolvidos nesse conflito, os flamengos não puderam dar mais atenção ao que ocorria no Nordeste. E os ingleses ainda auxiliaram os revoltosos, enviando armas e munições.

 

A REVOLTA CONTRA O GOVERNADOR SALVADOR CORRÊA DE SÁ (RIO DE JANEIRO)
Também conhecida como Revolta da Cachaça (1660 – 1661), pois um de seus motivos principais foi a proibição de fabricar cachaça, que era, até então, utilizada para comprar escravos na África e prata no sul do continente. A insatisfação com tal proibição acentuou-se com a criação de um imposto, destinado a pagar os soldos das milícias fluminenses. Além disso, o governador era tido como corrupto. Sob a liderança de Jerônimo Barbalho Bezerra, os revoltosos ocuparam o governo do Rio de Janeiro. Na verdade não conseguiram prender Salvador Corrêa, que estava em São Paulo, mas o destituíram e Agostinho Barbalho, irmão de Jerônimo, foi obrigado a assumir o poder. Com apoio dos paulistas, Salvador Corrêa de Sá voltou ao Rio, debelando o movimento. Mas o governo português optou por tirá-lo do poder.

 

A REVOLTA CONTRA O GOVERNADOR XUMBERGA (PERNAMBUCO – 1666)
Xumberga foi o apelido dado pelos pernambucanos ao governador Jerônimo de Mendonça Furtado, nomeado em 1644 pelo rei de Portugal, e pessoa totalmente desconhecida dos habitantes da capitania. Em pouco tempo o governador indispôs-se com os senhores de engenho, uma vez que era dado a misturar os negócios privados com os públicos.
Assim, em 1666, ele foi deposto pela Câmara de Olinda. Preso, “em nome do rei”, segundo lhe foi comunicado, ficou encarcerado na fortaleza de Brum e, posteriormente, foi enviado a Portugal. O governo da capitania passou a ser exercido pela Câmara de Olinda, até que se nomeasse outro governador.

 

A REVOLTA DE BECKMAN (MARANHÃO – 1684)
O Maranhão, em 1684, foi abalado por essa revolta, que, na verdade, tinha raízes antigas: o confronto entre jesuítas e colonos, em torno da questão indígena. Os primeiros não admitiam a escravização dos indígenas, enquanto os colonos alegavam a necessidade daquela mão de obra para a agricultura.
Em 1682 foi criada a Companhia de Comércio do Estado do Maranhão, que teria o monopólio de todo o comércio daquela região. Em troca, a Companhia se comprometia a levar 10 mil negros para lá, no prazo de 20 anos, ou seja, em torno de 500 por ano.
A atuação da Companhia, no entanto, foi desastrada. Além de não enviar os 500 negros anualmente, praticava preços abusivos e vendia produtos deteriorados. Os colonos tentavam, então, escravizar os indígenas, mas esbarravam na oposição dos jesuítas.
Em 1684, a insatisfação explodiu. Os irmãos Manuel e Tomás Beckman, aliados a Jorge Sampaio, dirigiram o movimento. O capitão-mor Baltasar Fernandes foi preso, os armazéns da Companhia foram atacados e o colégio dos jesuítas foi invadido. Todos os padres encontrados foram expulsos. Determinaram a extinção da Companhia de Comércio. Tomás Beckman foi enviado a Portugal para explicar o movimento às autoridades e pedir apoio, mas foi preso.
Gomes Freire de Andrade foi nomeado governador, dirigindo-se, com tropas, para o Maranhão. A revolta foi sufocada. Manuel Beckman e Jorge Sampaio foram presos e enforcados, a Companhia de Comércio foi restaurada e o colégio dos jesuítas restituído aos padres. Após a revolta debelada, Gomes Freire de Andrade sugeriu ao governo português eliminar o monopólio usufruído pela Companhia, o que foi efetivamente aprovado, acalmando os ânimos dos colonos.

 

A GUERRA DOS EMBOABAS (MINAS GERAIS) (1708 – 1709)
Emboabas era o nome pelo qual ficaram conhecidos os forasteiros na região das Minas. O conflito se arrastou por cerca de dois anos, com inúmeras cenas de violência praticadas por ambos os lados.
Os paulistas se diferenciavam em muito dos outros colonos; sua língua corrente não era o português e sim o tupi-guarani; andavam pobremente vestidos e quase sempre descalços. O termo “emboaba” tinha origem indígena, significava “galinha de pés cobertos de penas” e, se aplicado a qualquer forasteiro, sobretudo português, de pé calçado, ao contrário do natural da vila de São Paulo de Piratininga, que andava geralmente descalço, constituía insulto gravíssimo. O calçado servia para identificar o inimigo, e o xingamento “emboaba” era tão usual que até agora, ao ouvir um estampido à distância, há quem resmungue, em Minas, o dito antigo: “Ali morreu cachorro ou emboaba”. Por essa razão chamavam os outros colonos de emboabas, isto é, aqueles que andavam de botas.
O líder dos paulistas era Borba Gato, enquanto o português Manuel Nunes Viana, que vivera na Bahia e mudara-se para a região das Minas do Rio das Velhas, liderava os emboabas.
As autoridades da região eram paulistas. Os emboabas acusavam-nas de arbitrariedades de toda ordem. Já os paulistas estavam descontentes com o monopólio exercido pelos emboabas sobre o gado bovino para abastecimento da região.
As escaramuças começaram em 1707, com o linchamento de dois paulistas. No ano seguinte, Borba Gato tentou expulsar Nunes Viana do distrito do Rio das Velhas, mas não conseguiu seu intento. Pelo contrário, os paulistas passaram a ser desarmados pelos emboabas, tendo de ser retirar da região do Rio das Velhas e de Vila Rica. Os emboabas aclamaram Nunes Viana governador da região. Seus auxiliares diretos eram Francisco do Amaral Gurgel e Bento do Amaral Coutinho, conhecidos por agir com extrema violência.
O episódio mais conhecido dessa guerra – denominado Capão da Traição – ocorreu quando Coutinho, tentando expulsar os paulistas da região do Rio das Mortes, massacrou alguns deles. O número de mortos é calculado em 50, mas vários autores exageraram, chegando a escrever que teriam sido 300 os paulistas mortos à traição.
Após vários confrontos, com dezenas de mortos de ambos os lados, o conflito terminou em 1709. Para tentar impor a autoridade da Coroa, foram criadas a Capitania Real de São Paulo e Minas do Ouro e as três primeiras vilas mineiras. Em 1720, foi criada a capitania das Minas Gerais, que foi desligada da capitania de São Paulo.

 

A GUERRA DOS MASCATES (PERNAMBUCO – 1710)
A guerra dos Mascates foi o conflito entre os habitantes de duas cidades: Recife e Olinda. Os grandes senhores de engenho habitavam a cidade mais antiga, Olinda, enquanto em Recife, que era uma freguesia (menor divisão administrativa, correspondente à paróquia) olindense, o grupo socialmente mais poderoso era o dos comerciantes, boa parte dos quais portugueses, apelidados de “mascates”.
Quando da invasão holandesa foi em Recife que os invasores se sediaram. Na época de Nassau, Recife recebeu melhoramentos urbanos e tornou-se mais expressiva do que Olinda.
No entanto, a situação de freguesia incomodava os comerciantes, que solicitaram à Coroa portuguesa a elevação de Recife à condição de vila, pois assim poderiam ter uma câmara municipal. Enquanto isso, por causa da crise do açúcar no mercado internacional, a situação econômica dos senhores de engenho declinava e eles se endividavam continuamente.
No mês de novembro de 1709, Recife foi elevada à condição de vila. O capitão-mor Castro e Caldas mandou erguer o pelourinho, símbolo da nova condição de vila, o que irritou sobremaneira os senhores de engenho olindenses. Mais irritados ficaram com a falta de acordo relativo à demarcação de limites entre as duas vilas.
O capitão-mor Castro e Caldas foi ferido e, em represália, ordenou a prisão de vários olindenses. Na sequência, os senhores de engenho se armaram, invadiram Recife e destruíram o pelourinho. O bispo de Olinda, D. Manuel Álvares da Costa, foi designado capitão-mor e, para assumir o cargo, teve de prometer que não executaria as dívidas contraídas pelos senhores de engenho.
Os recifenses tentaram, pela força das armas, recuperar a situação anterior, e novos combates se travaram entre as tropas das duas vilas. Somente em 1711, com a chegada de Félix José Machado de Mendonça, nomeado pelo rei para ser o novo capitão-mor, é que a situação se acalmou. Ele ordenou a punição de vários implicados nas revoltas, restaurou o pelourinho de Recife e, para manter a ordem, alternava sua residência entre as duas vilas.

 

A REVOLTA DO JUIZ DO POVO OU MOTIM DO MANETA (BAHIA – 1711)
Em 1710 os franceses haviam atacado o Rio de Janeiro, levando o governo português a buscar o aumento do número de navios que patrulhavam a costa. Para isso, instituiu novo imposto de 10% sobre mercadorias importadas. O descontentamento foi grande, pois anteriormente já havia sido criado um imposto sobre escravos adquiridos na África e o preço do sal também aumentara.
Dessa forma, o movimento de rebeldia teve início quando o governador-geral Pedro de Vasconcelos de Sousa tentou fazer a cobrança do novo imposto. O Juiz do Povo, D. Lourenço de Almada, e o comerciante João de Figueiredo da Costa, apelidado de Maneta, dirigiram a revolta contra o governador. Até mesmo oficiais e soldados de Salvador aderiram ao movimento. Alguns comerciantes de sal tiveram suas lojas invadidas e suas mercadorias jogadas pelas janelas. O governador cedeu e o imposto não foi cobrado, nem o preço do sal majorado.

 

A REVOLTA DE VILA RICA – FILIPE DOS SANTOS (MINAS GERAIS – 1720)
As câmaras municipais tinham um papel relevante, pois, muitas vezes, cabia a elas providenciar a cobrança dos tributos, mas esse poder municipal passou a ser reduzido, já que a Coroa tinha interesse na maior centralização possível do poder. Um protesto contra essa diminuição de poder das câmaras municipais ocorreu em Pitangui, em 1719.
A determinação para que se criassem Casas de Fundição em Minas Gerais aumentou a insatisfação e transformou-se em revolta. Cerca de 2 mil pessoas marcharam de Vila Rica para Ribeirão do Carmo (Mariana), onde ficava o governador, Conde de Assumar. Contando com poucos soldados, Assumar achou prudente concordar com o que os amotinados exigiam: a diminuição dos impostos e a não instalação das Casas de Fundição. Mas não pretendia cumprir o acordo.
Tão logo recebeu reforços, e já tendo identificado os líderes, invadiu Vila Rica, prendeu os mais destacados e enviou-os para Portugal. Mandou queimar as fazendas de Pascoal da Silva Guimarães e reservou a pena mais violenta a um português, de nome Filipe dos Santos. Foi morto no garrote, depois esquartejado por cavalos, e teve seus pedaços pregados em postes para servir de exemplo.
Como consequência desse conflito, a Coroa determinou a separação da região das Minas da de São Paulo, passando a constituir uma capitania independente: Capitania de Minas Gerais, cuja capital era Vila Rica.

 

A SEDIÇÃO DOS POTENTADOS DO NORTE (MINAS GERAIS – 1736)
Essa revolta, ocorrida em 1736 no norte da Capitania de Minas Gerais, teve como motivo principal a tentativa dos poderosos senhores da agropecuária mineira de resistir aos avanços do poder metropolitano. Com efeito, essa região, por não ser produtora de ouro, era colocada um pouco à margem dos interesses portugueses. Pelo menos assim foi até a década de 1730, quando os problemas financeiros da metrópole levaram o imposto da capitação a ser estendido a toda a capitania.
Os potentados – nome que se dava aos grandes senhores rurais – reagiram, iniciando uma revolta que assumiu dimensões significativas, na medida em que pretendia dominar não apenas o norte, mas descer até a sede da Comarca do Rio das Velhas (Sabará) e atingir Vila Rica.
O término destes motins significou a implantação da ordem e do sossego na região que, a partir de então, pode ser subjugada e administrada em “calma”. Este seria a primeira vez em que o governo não negociou com os amotinados como era costume acontecer; ao contrário, além da definitiva implantação da capitação, organizaram-se também o recolhimento dos dízimos e a arrematação dos contratos.

 

 

A CRISE DO SISTEMA COLONIAL

 

Desde o início do século XVIII a situação econômica de Portugal era dramática. A ameaça de um novo domínio espanhol era evidente, ainda mais com a aliança da Espanha com a França. O comércio das colônias apresentava dificuldades em grande parte por causa do contrabando que os portugueses não tinham meios de evitar. Para garantir sua sobrevivência, os governos portugueses acabaram se aliando à Inglaterra, o que tinha um preço elevado. Os ingleses exigiam, em troca do apoio politico e militar, acordos comerciais altamente desvantajosos para Portugal. Um desses acordos, firmado no início do século XVIII, ficou conhecido como Tratado de Methuen, também conhecido como Tratado dos Panos e Vinhos, no qual a Coroa portuguesa consentia em reduzir as barreiras alfandegárias para os artigos de lã provenientes da Inglaterra em troca do mesmo procedimento em relação aos vinhos portugueses.
Na metade do século XVIII, assumiu o poder em Portugal o rei D. José I, que nomeou Sebastião José de Carvalho e Melo – Marquês de Pombal – como seu secretário de Estado. O Marquês promoveu ampla reforma, iniciada com a reorganização do Estado e com profundas mudanças no comércio. Foi a época em que se criaram diversas companhias, que passavam a ter o privilégio de monopolizar o comércio de determinados produtos. Isso beneficiava principalmente os grandes comerciantes lusitanos e enfraquecia os pequenos.
O Marquês de Pombal centralizou ainda mais o poder do Estado interferindo nas alfândegas, nos tribunais, nas atividades dos burocratas e na cobrança de tributos. Ferrenho inimigo dos jesuítas, ele os expulsou de Portugal e das colônias. Reformou o ensino em Portugal e no Brasil, criando as escolas régias. Modernizou a Universidade de Coimbra, que passou a ter interesse maior nas ciências da natureza.
As relações da metrópole com a colônia brasileira também foram alvo da atenção de Pombal. Interessado em aumentar os lucros, criou companhias privilegiadas, uma para o Grão-Pará e Maranhão e outra para Pernambuco e Paraíba. Elas teriam, pelo prazo de 20 anos, o monopólio do comércio nessas regiões, o que causou numerosos protestos das câmaras e das populações, que acusavam as companhias de vender produtos deteriorados a preços muito elevados, enquanto pagavam tão pouco pelos produtos das capitanias que até desestimulavam sua produção.
Na região mineira, foi o momento em que se estabeleceu a taxa de 100 arrobas (1 arroba equivale a aproximadamente 15 quilogramas, ou seja, 1.500 quilogramas) de ouro anuais a serem enviadas para a metrópole. Isso trouxe problemas, pois, a partir de 1760, a produção do ouro decaiu e dificilmente se conseguia atingir essa quota. O governo apelava, então, para a Derrama, cobrando de toda a população a soma que estava em atraso. A complementação das 100 arrobas era feita com requintes de crueldade. Pela madrugada os dragões do Regimento das Minas sitiavam a vila onde os cobradores de impostos executariam a derrama. Todo tipo de arbitrariedade era cometido para forçar a todos, indistintamente, o pagamento do imposto devido. A última derrama foi decretada em 1789, mas não ocorreu devido à Conjuração Mineira.
Em 1771, estabeleceu-se o fim do regime de contratos na região dos diamantes, passando a própria Coroa a extrair as pedras, por meio da Real Extração. As duríssimas normas para a região estavam, contidas no “Livro da Capa Verde”, documento que estabelecia um controle absoluto e altamente opressor sobre a população do Distrito Diamantino.
Foi também por iniciativa de Pombal que a capital do Estado do Brasil foi transferida de Salvador para o Rio de Janeiro. Isso se devia à importância assumida pela mineração, além de o Rio de Janeiro estar mais próximo do sul do continente, portanto mais habilitado a oferecer ajuda à Colônia de Sacramento, fundada em 1680. Em 1774, a divisão da colônia em Estado do Maranhão e Estado do Brasil foi abolida, e o Rio de Janeiro se tornou a capital de toda a colônia.
Ao mesmo tempo que o governo português aumentava o grau de opressão sobre a população das colônias, estava em curso na Inglaterra, o processo conhecido como Revolução Industrial, e, no continente europeu, as ideias iluministas eram divulgadas, apesar da reação de muitos governantes absolutistas. A conjunção desses três fatores contribuiu para a chamada “crise do sistema colonial”, observada em todo o continente americano. No caso do Brasil, a crise ficou bem evidente nas duas últimas décadas do século XVIII, quando, pela primeira vez, se pensou proclamar a independência.
No curto intervalo de nove anos, três movimentos ocorridos em Minas Gerais, no Rio de Janeiro e na Bahia contestavam as bases da dominação portuguesa na colônia. Neles se articularam pessoas que pela primeira vez pensaram em independência. Todos os três movimentos foram debelados e, em dois deles, pessoas que foram considerados pelos juízes como principais responsáveis foram executadas.

 

A CONJURAÇÃO MINEIRA (A INCONFIDÊNCIA MINEIRA)
O movimento que eclodiu em Minas Gerais em 1789 e que ficou conhecido como Inconfidência ou Conjuração Mineira tem sido objeto de constantes estudos. Apesar de esses estudos renovarem amplamente o conhecimento sobre a Inconfidência, persistem visões tradicionais, mais preocupadas com difamações ou elogios às personagens envolvidas, notadamente a figura de Tiradentes.
A partir dos estudos mais recentes sobre a Inconfidência, é possível compreendê-la como um movimento no qual um grupo relativamente numeroso de pessoas discutiu a possibilidade de se proclamar a independência da Capitania de Minas Gerais.
Por que teria esse grupo pensado na hipótese de independência? Para termos uma resposta a essa questão, necessitamos contextualizar o momento em que a Inconfidência se deu, tanto no plano da capitania quanto no das relações metrópole-colônia e, mais ainda, é preciso que observemos a conjuntura internacional.
O esgotamento do ouro de aluvião e as Derramas perturbavam os ânimos dos habitantes da capitania. A dívida, em 1788, atingia a cifra de 596 arrobas. E o novo governador, o Visconde de Barbacena, chegara com ordens expressas do governo português para lançar a Derrama na primeira oportunidade. Os ânimos se exaltaram. Muitos entenderam que se arruinariam completamente. Esse, sem dúvida, foi um dos grandes motivos que levaram à formação do grupo de inconfidentes.
Por outro lado, as atividades agropecuárias receberam enorme impulso quando a mineração do ouro entrou em declínio. Dessa forma, dentro da capitania, assistiu-se a uma mudança nas relações de poder. Os grandes fazendeiros da comarca do Rio das Mortes (que tinha como centro São João del Rei) passaram a pleitear maior influência do que os mineradores da comarca de Vila Rica. Não é simples coincidência o fato de 14 dos 24 inconfidentes julgados serem daquela comarca e apenas oito de Vila Rica.
No plano das relações metrópole-colônia, como já se observou anteriormente, a segunda metade do século XVIII foi marcada pelo recrudescimento da opressão, do fiscalismo, da centralização. Obviamente, os colonos teriam a tendência a se indispor contra tais medidas.
Finalmente, no plano internacional, em 1776 ocorrera a Independência das treze colônias inglesas que formaram o país conhecido como Estados Unidos da América. Foi a primeira colônia a se tornar independente, e parece claro que o sucesso do movimento tendia a incentivar e entusiasmar os colonos ibéricos. Ao mesmo tempo, as ideias iluministas, mesmo com toda a censura, conseguiam chegar às colônias. Jovens mineiros que estudavam na Europa tornavam-se adeptos das ideias de liberdade, principalmente da liberdade econômica e política.
A conjunção de tais fatores explica a formação de um grupo envolvendo religiosos, fazendeiros, mineradores, advogados, militares, intelectuais; alguns deles eram portugueses. Esse grupo passou a se reunir, e, do que consta nos Autos da Devassa, chega-se à conclusão de que foram formulados planos, apesar de haver divergências entre eles.
Pensou-se na independência da capitania e na adoção do regime republicano, apesar de uns poucos apoiarem a monarquia. Seria criada uma universidade em Vila Rica e a capital do novo país seria São João del Rei. Haveria incentivo às manufaturas de ferro, casais com muitos filhos receberiam pensões. Uma questão central, a da escravidão, não foi contemplada, pois, apesar de alguns defenderem a abolição, outros temiam que isso desarticulasse toda a produção. O assunto ficou para ser decidido após a vitória.
O início do movimento deveria ser na data em que o governador decretasse a Derrama, para aproveitar o clima de comoção que tomaria conta de todos os habitantes. O governador deveria ser morto, segundo alguns inconfidentes. Para outros, bastaria expulsá-lo da região.
Tais eram os projetos, que apenas aguardavam o “dia do batizado”, senha que traduziria o dia em que a Derrama seria lançada e o movimento teria início.
No entanto, rumores chegaram ao governador, que acabou suspendendo a decretação da Derrama, o que foi feito em 14 de março de 1789. A atitude do governo trouxe perplexidade para o grupo dos inconfidentes. Para alguns não haveria o menor sentido em iniciar a revolta, já que o motivo maior de suas preocupações deixaria de existir. Para outros, no entanto, a atitude do governador criara um problema muito mais sério: se a Derrama não fosse decretada, fatalmente o governador iria cobrar dos mineradores que deviam à Coroa. Era o caso de Joaquim Silvério dos Reis, um português, grande contratador, que devia somas enormes. Por isso, tentando desesperadamente se ver livre de suas dívidas, no dia 15 de março ele apresentou a denúncia ao governador. Outras denúncias chegaram: de Inácio Correa Pamplona e de Basílio de Brito Malheiros.
As prisões começaram a ser efetuadas. Dois tribunais, um no Rio de Janeiro e outro em Minas Gerais, começaram a atuar. Ao final de três anos de interrogatório, torturas, acareações e confrontações, uma sentença foi lavrada condenando 11 à morte na forca e os demais ao degredo perpétuo. Porém essa sentença foi substituída por outra em que apenas Tiradentes seria enforcado e esquartejado (o que aconteceu em 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro), enquanto os demais seriam degredados, alguns perpetuamente, outros por 10 anos. Os padres foram enviados a Portugal.

 

SAIBA MAIS

 

 .Inconfidência – Crime de lesa-majestade. Significava a falta de fidelidade do súdito à Coroa. Quem cometia tal crime era punido geralmente com a morte.
 .Conjuração – O mesmo que conspiração. Termo também utilizado para denominar o crime de inconfidência. Caracterizava-se pela tentativa de uma pessoa ou grupo de pessoas de conspirar contra o rei ou contra o Estado, visando à tomada do poder.
 .Autos da Devassa – Conjunto das peças do processo produzido entre 1789 e 1792, pela comissão encarregada de investigar o crime que teriam cometido os inconfidentes mineiros.
 .Degredo – pena que consistia em exilar o indivíduo, ou seja, expulsá-lo para outra região.
 .Derrama – cobrança forçada dos impostos em atraso.
 .Colônia de Sacramento – Inicialmente uma fortificação fundada, em 1680, às margens do rio da Prata, de maneira a garantir os interesses da Coroa portuguesa até as fronteiras meridionais de sua colônia americana. Para garantir sua segurança, foram enviados colonos da região dos Açores, com o objetivo de ocupar toda a atual região Sul do Brasil. Desenvolveram a pecuária, que se tornou importante para o abastecimento das Minas no século XVIII.
 .Quem eram os inconfidentes mineiros - Grupo numeroso, alguns com envolvimento claro e destacado, outros nem tanto. Os principais que foram levados a julgamento. Religiosos: Carlos Corrêa de Toledo e Melo, Luís Vieira da Silva, José da Silva Oliveira Rolim, Manuel Rodrigues da Costa e José de Oliveira Lopes. Militares: Joaquim José da Silva Xavier (Tiradentes), Domingos de Abreu Vieira, Luís Vaz de Toledo Pisa, Francisco Antônio de Oliveira Lopes, Francisco de Paula Freire de Andrada, Vicente Vieira da Mota, José Aires Gomes, José de Resende Costa (pai). Advogados: Tomás Antônio Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto, José Álvares Maciel.

A INCONFIDÊNCIA FLUMINENSE
Evento ocorrido no Rio de Janeiro em 1794. Nessa data foram presos os membros de uma Sociedade Literária que havia sido criada em 1785 e que se propunha a discutir temas filosóficos. Eles haviam sido denunciados pelo frei Raimundo de Pena Forte. A discordância se deve ao fato de que, nos interrogatórios, nada de concreto se apurou. E todos foram soltos em 1797.
Os autores que optam por considerar esse movimento também uma Inconfidência entendem que a discussão das ideias liberais, debates sobre o governo republicano, discussões sobre a independência dos estados Unidos refletiam o grau de insatisfação existente na colônia com relação ao domínio metropolitano. Afinal, em Minas Gerais, a Inconfidência também não passara de discussões e projetos que não foram colocados em prática.

 

A CONJURAÇÃO BAIANA (A INCONFIDÊNCIA BAIANA)
Em 1798, foi a vez de um movimento que favorecia a independência de Salvador. A novidade dessa inconfidência foi a expressiva participação de pessoas mais humildes, inclusive escravos. Alguns autores chegam a afirmar que eram 600 os indivíduos que participavam do projeto de independência, mas nem todos teriam sido presos e julgados.
A situação de Salvador, no final do século XVIII, era a de uma capital pobre. Com aproximadamente 60 mil habitantes, dos quais 40 mil eram negros e mulatos, a população se via sem condições de arcar com a pesada carga tributária que lhe era imposta, ainda mais que muito comerciantes abusavam nos preços dos produtos de primeira necessidade. Diversos motins estavam ocorrendo, com açougues e armazéns sendo invadidos e os produtos distribuídos entre o povo.
Paralelamente ao desespero popular, setores médios e da elite, também insatisfeitos, congregaram-se na sociedade secreta Cavaleiros da Luz, em que as ideias de Jean-Jacques Rousseau eram discutidas e a ação dos grupos populares na Revolução Francesa de 1789 observada com entusiasmo. As ideias, em pouco tempo, atraíram o apoio de militares, médicos, artesãos e professores, atingindo até mesmo escravos e trabalhadores livres pobres.
Esse envolvimento de pobres e escravos acabou por se tornar o aspecto que distingue a Inconfidência Baiana da sua antecessora de Minas Gerais. Com efeito, na Bahia não se falou apenas em independência, república, liberdade comercial. Ponto importante do projeto baiano era o fim dos preconceitos contra os negros, a abolição da escravidão, o fim dos privilégios e a redução dos impostos. Tais planos começaram a ser divulgados em panfletos pregados nas paredes das igrejas, a partir de 12 de agosto de 1798, conclamando o povo a lutar pela liberdade e pela igualdade.
Das dezenas de prisões efetuadas, as condenações recaíram sobre soldados e alfaiates. Os membros da elite, que participavam da Sociedade dos Cavaleiros da Luz, foram todos absolvidos e alguns nem sequer foram julgados, pois eram pessoas muito influentes na Bahia.
A sentença foi dada em 7 de novembro de 1799. No dia seguinte foram “exemplarmente” enforcados e esquartejados os soldados Luís Gonzaga das Virgens e Lucas Dantas e os alfaiates João de Deus e Manuel Faustino. Sete outros réus, entre eles cinco pardos, inclusive Sá Couto, foram degredados para a África. José Raimundo Barata de Almeida foi degredado, três anos, para a ilha de Fernando de Noronha. Seu irmão Cipriano Barata e o tenente Hermógenes, absolvidos. Os escravos envolvidos na revolta receberam açoites e seus senhores foram obrigados a vendê-los para fora da capitania. Os representantes da elite branca, pouco à vontade num movimento radical, receberam penas leves. A mão da justiça colonial batia pesadamente, mais uma vez, sobre as camadas populares que ousavam se levantar contra o regime.

Tancredo Professor . 2024
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