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O último baile da Monarquia.

Fervia o caldeirão político. A questão militar tumultuava o ânimo do oficialato e ameaçava abalar o principal alicerce da monarquia, cujo poder ainda se baseava na passividade de uma tropa obediente.

A corte, a julgar por seu comportamento, parecia indiferente aos acontecimentos que prenunciavam o fim de seus dias e preparava-se para oferecer, na ilha Fiscal, uma suntuosíssima recepção aos oficiais do cruzador chileno Almirante Cochrane que visitava o Rio. Uma recepção de trezentos contos de réis, verdadeira fortuna, que representava 10% do orçamento do Rio de Janeiro. Dizia-se que aquele enorme esbanjamento estava sendo financiado com fundos desviados da ajuda aos flagelados da seca nordestina.

 [...] Para a opulência e o luxo daquele baile estavam convidadas personalidades do Partido Liberal e até mesmo republicanas [...]

A festa deslumbrante estava marcada para 9 de novembro, o mesmo dia em que o Clube Militar deveria reunir-se para apreciar a situação criada com a punição do 28º Batalhão de Infantaria, que seria transferido para o Amazonas, acusado de insubordinação. A manobra da corte era evidente. Queria proteger-se contra uma possível ofensiva militar republicana e era de se prever que acabaria desmobilizando todos os contingentes aquartelados na corte.

Na tarde daquele dia, duas vozes sobressaíam na reunião dos militares, que tomou um rumo decisivo, transformando-se numa conspiração da espada contra a Coroa. Benjamin Constant Botelho de Magalhães pregava a intervenção direta e imediata do Exército e Floriano Peixoto chegou a exigir a implantação de uma ditadura militar. [...]

Na ilha Fiscal, à noite, casacas, fardas e leques femininos rodopiavam valsas alegres, ainda possíveis, antes que o chão fugisse aos pés da nobreza. Nos salões repletos, cinco mil convidados assistiram à entrada de D. Pedro II e tiveram talvez um pressentimento do desfecho iminente, quando o imperador, falseado o equilíbrio, parecia que ia cair.

Afonso Celso de Assis Figueiredo, o visconde de Ouro Preto, foi apresentado solenemente como chefe do novo gabinete. O povo o apelidara de Afonso Vintém por ter aumentado de maneira insuportável o preço do transporte no Rio. Mas Afonso Vintém não medira gastos para aquela festa, em que foram consumidos oitocentos quilos de camarão, trezentos perus, 1,2 mil latas de aspargo, 64 faisões, 1,3 mil frangos, 14 mil sorvetes, 2,9 mil pratos de doces, 304 caixas de champanha e vinho e vinte mil sanduíches.

Se a corte desejava, com esse colossal banquete, prolongar seus dias, andou mal. Não conseguiu comprar mais do que seis dias de agitada agonia.

Pedro Medeiros, Jornal da Tarde, 11/11/89. (adaptado)

 

#SAIBA MAIS

- Réis: é o plural do nome das unidades monetárias de Portugal e do Brasil durante certos períodos da história. No Brasil, esta moeda foi substituida pelo cruzeiro em 5 de outubro de 1942. A moeda era utilizada no país desde os tempos coloniais

- Vintém: antiga moeda portuguesa de cobre e de bronze de 20 réis.

Tancredo Professor . 2024
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